sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Noite Feliz

E, mais uma vez, num espaço de poucos minutos, ela repetiu a pergunta sem se dar conta que a mesma, fora respondida na primeira e segunda vez. A resposta, essa que soou como badalada seguidamente alta? Não lembrava mais. Por onde teria escapado? Será que se perdeu naquele pensamento novo que pra todos parece cansativo e chato? As pessoas perdem a paciência tão rápido ultimamente. Ah! Lembrei o que eu queria perguntar! Mas, que dia é hoje mesmo? Por que estou neste carro? Eu conheço essas pessoas, que bom. Devem me levar pra casa. Sim, é isso. Estamos voltando da festa na casa do meu filho. Eu me despedi dele? Não. Acho que não. Não sei... não lembro. Ah! Lembrei o que eu queria perguntar! E eu, jantei? Tinha comida lá? Pra onde estão me levando? Poxa, não presenteei ninguém. Vou chegar e ligar pra me despedir com calma. Hein?! Já perguntei o que? Não entendi. Às vezes não consigo acompanhar o ritmo das pessoas... até as pernas reclamam. Eu, calada? Nada... Ah! Lembrei o que eu queria perguntar! O que? Do que estão rindo? A essa altura as pessoas em volta se olhavam e riam num jogo de aparente compreensão, mas total descontrole e embaraço. Ai, como é bom estar em casa. E o meu filho? Me despedi dele? Será que ele vai ficar triste comigo? (Deita para dormir) Poxa, não dei presente pra ninguém. Eu tranquei a porta? (Levanta da cama devagar e caminha no escuro até a sala) Trancada!

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Leve

Entorpece

breve

Quem bebe

E não esquece.

Qual prece,

Repete

Segue... segue.

Leve segue

o sonhar

De quem vem pra beira

do mar.

(dezembro de 2007)

Recife

A bandeira colorida no alto...


... e o passo no pé.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Rádio MEC

FOTO: Elisa Gaivota

Ouça a gravação do "Ao Vivo Entre Amigos" na Rádio MEC :
gabrielabuarque.podomatic.com
- 11/11/2009 -

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Manifesto *

Semana passada me fizeram uma pergunta sobre os espaços do Rio de Janeiro para novos compositores. Na tentativa de fugir do padrão de resposta “só reclama e não faz nada para mudar” - que vem se multiplicando nos depoimentos de meus colegas de trabalho - comecei a enumerar alguns locais que nos são mais acessíveis. Sem qualquer espanto do entrevistador, depois de três referências, não me recordava de mais nenhum.

Raras e preciosas iniciativas como a da ARPUB (Associação das Rádios Públicas do Brasil) devem ser louvadas. A promoção de seu I Festival de Música levou às Rádios MEC e Nacional composições inéditas da nova geração na tentativa de revigorar a canção brasileira que, a esta altura, até ameaça de extinção sofrera.

Fico pensando o que seria dos consagrados nomes da nossa música não fossem os veículos de massa da época para divulgar seus trabalhos e incentivá-los através de grandes festivais, das rádios e outras mídias. Interesses políticos à parte, tais manifestações alavancaram fulanos como Chico, Caetano, Gil, Elis, Nara e tantos desconhecidos até então. Sobreviveriam os mesmos nos dias de hoje?

O cenário atual, cuja a quantidade de informação ultrapassa a capacidade mínima de absorção e entendimento, vem transformando artistas e suas mais admiráveis peculiaridades em produtos descartáveis e obsoletos a cada segundo que passa. O artista que, há alguns anos, lotava um teatro, por exemplo, atualmente busca soluções de marketing para atrair o público. Nunca foi tão importante a presença de convidados “especiais” e depoimentos de terceiros para agregar valor à sua imagem e, por conseguinte, ao seu cd.

É, no mínimo, paradoxal que, diante de tamanha riqueza, não haja interesse público em divulgar e preservar este material. As salas de concerto do “Patrimônio Cultural e Imaterial do Brasil” são as choperias cariocas, aonde, eu lhes asseguro, a última coisa que se deseja é ouvir música. É lamentável que parta de nós a defesa e propagação da música popular brasileira.


* Texto publicado no blog de Herminio Bello de Carvalho http://acervohbc.blogspot.com/

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Conto de Encanto

Teu sono me leve

Que breve te encontro

Num sonho e conto

Da gaivota de branco

Em voo manso

Pelo céu azul, reinando

Se apaixona por um canto

De pássaro distante

E desce à terra

Pra ver quem era

Essa voz de primavera

Que, de tão delicada,

Fez-se ouvir no mais longe nada

Pousa bela e na espera

Dorme embalada por aquela,

Que singela, ressoava na lembrança

Eis que, de repente

Melodia se faz presente

E a desperta num rompante

Era o pássaro cantante

Acompanhara com sua música

O voo da mais bela musa

Apaixonantes asas dançantes

Ela mesma, a gaivota

Amante.


(em fevereiro de 2009)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Caiana

A claridade do dia esgarçava as cortinas, tocando delicadamente meus olhos. O espreguiçar demorado de braços e pernas desvelava um desejo oculto de estender o tempo por minutos, horas - pausas inteiras sem ponteiros. Despertaria num rompante, não fosse a noite anterior e o pontear das melodias que teimavam em ressoar nos meus sonhos.

As tranças de mãos, chitas e sandálias desenham o círculo espelhado no céu. O cortejo segue entre bois, carimbós, cocos e tambores - danças e signos pra Lua. De certo a caiana contribuiu para um estado mais leve de adoração, quase flutuante eu diria. Era um lugar simples, uma praça central e sua igreja. E um festejo pouco comum pros dias de hoje.

Despertei ouvindo o canto de um galo. O espanto não foi maior porque, tempos depois, apesar de me situar na parte central do saudoso Estado da Guanabara, algo mais inusitado aconteceu. Ao longe, porém igualmente perceptível, um homem grita: “Olha o leeeeeeeite!” Levantei da cama e corri pra janela. Queria ver se era verdade. Mais ainda, procurava pela garrafa de vidro, cheinha de leite, com a vaquinha vermelha na frente, que enfeitava a nossa porta antigamente.

* Foto de Brínea Costa

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A primeira

O CANTO DO PAJÉ
(Heitor Villa-Lobos e C. Paula Barros)

Oh, manhã de sol
Anhangá fugiu
Anhangá rê rê
Ah, foi você
Quem me fez sonhar
Para chorar a minha terra
Guaracy rê rê
Anhangá fugiu
Oh, Tupã, Deus do Brasil
Que o céu enche de sol
De estrelas de luar e de esperança
Oh, Tupã tira de mim esta saudade
Ah, Anhangá me fez
Sonhar com a terra que perdi
Oh, Anhangá fugiu,
Fugiu, rê rê
Oh, manhã de sol
Rê rê de sol
Anhangá fugiu
Fugiu, a-há foi vc quem me fez sonhar
Chorar a minha terra
Guaracy rê rê
Anhangá, fugiu, fugiu,
Oh, manhã de sol,
Anhangá fugiu
Oh, manhã de sol,
Rê rê rê rê


(Poema anterior: "Noites Pesadas", de Mário de Andrade)

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Leia e ouça

Uma pequena seleção de músicas no rodapé desta página.



E você? O que está ouvindo ultimamente?




Deixe-me saber...

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Caminho ao Revés *

No véu que esconde seu olhar

A imagem refletida se perdeu

Junto com ela, a desbotar,

Meu cais...


Sonho que o tempo, em si, refaz

Anseio que o receio atroz desfez

Em ais... Não volta a ser!


O céu que havia nesse olhar

Traçava a direção, luzia o breu

Ando sem rumo a procurar

Nem sei...


Se a cada passo avanço mais

Ou traço meu caminho ao revés

Pro fim... de achar você.


* música composta em agosto de 2008.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Por detrás do olhar

Onde estará a verdade?

Como isso tudo aconteceu?

Se não lembro dos detalhes, desconfio.

Enquanto vivo, descomunico

O que sinto - meu boicote.

Você me pergunta então:

- O que viu no meu olhar?

- Seu olhar? Ah, sim... o olhar.

Meu olhar se inibe com seu olhar, como se olhasse com seus olhos tristes. E outro olhar observa a cena de fora com olhos de quem proíbe.

As palavras construídas soam como mentiras, na mesma proporção da dúvida, minha.

Falo, mas nem eu mesma acredito.

Ouça-me, ouça com meus ouvidos! De repente, assim, entenda o que venho dizer. Ou acredite sem pestanejar.

- É isso! Está me ouvindo?!

Eu vi quando olhou pra ela com o olhar que nunca me viu. Mas meu olhar já olhava o dela antes disso existir. Por isso, não acho que olho pra ela pra lhe provocar, mas porque sinto prazer no olhar.

Meu olhar olhou o dela, o dela olhou o meu. Seu olhar como era? Já me envergonho de ver.

Sob os olhos dela que desejos hão de ter? Não sei. Fiquei cega olhando o outro olhar que nem era o seu.


Tempo

Será agora o momento?

Em quanto tempo?

Poesia é vento.


Enquanto penso, não escrevo

E a poesia é

Vento

Lendo, bebo.

Sendo, vejo.

Escrevo, duvido

Escrevo.

É seca a terra

E deito nela

À espera,

À espreita.

Lenta faz-se a colheita.


(em março de 2008)

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Luis Barcellos


Ontem tive a felicidade e o grande privilégio de assistir Luis Barcellos no palco do Teatro Carlos Gomes no Projeto Sete em Ponto, apresentando suas composições: Praça São Salvador, Minha Valsa Triste, Seis por Meia Dúzia e outros bálsamos.
O bandolinista gaúcho deixou todos de queixo caído ao executar com sensibilidade e virtuosismo um repertório impecável ao lado de figuras já consagradas no cenário da música instrumental brasileira: Yamandu Costa, Hamilton de Holanda , Rogério Caetano, Nicolas Krassik, Henrique Cazes, Eduardo Neves e Marco Pereira.
Acompanhado por um time de primeira: Vitor Gonçalves (piano e acordeon), Nando Duarte (violão de 7 cordas), Guto Wirti (contrabaixo), Marcos Tadeu dos Santos e Tiago da Serrinha (percussão).
A emoção falou mais alto com o duo de bandolins - Luis Barcellos e Hamilton de Holanda - interpretando "Vibrações", uma linda homenagem a Jacob do Bandolim . No fim do recital, músicos e convidados retornam ao palco: violões, bandolins, cavaquinho, violino, acordeon, baixo e percussão, para uma partida de mestres, resultado: 1X0 de Pixinguinha numa comunhão de melodia e harmonia nunca antes vista.
Luis Barcellos, nosso Luisinho, de apenas 22 anos, presenteou-nos com um espetáculo único, que, sem dúvida, ficará guardado na mente de todos que estiveram lá.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A quatro mãos

Depois de me emocionar muito com o filme Piaf - um hino ao amor, de Olivier Dahan, que conta a história da cantora francesa. Na semana passada fui conferir o espetáculo no Teatro João Caetano, Bibi Canta e Conta Piaf, em que Bibi Ferreira revive com maestria e sensibilidade a maior paixão de Edith Piaf - a música.
Aproveito pra postar um vídeo em que ela interpreta o "Monólogo das Mãos", de Ghiaroni. Vale a pena conferir!



Bibi Canta e Conta Piaf
Local: Teatro João Caetano (Praça Tiradentes, s/n. Centro)
Horário: Sexta e sábado, 20h; domingo, 18h. Até 13 de setembro
Preços Populares: de R$20 a R$40, balcão simples.
Telefone(s): 2332-9166

domingo, 30 de agosto de 2009

Diálogo de olhares (conversa paralela)

- Desculpe não falar com você. Estou com vergonha do meu corpo.
- Tudo bem. Só queria dar um oi.
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- Me sinto uma estranha neste lugar.
- Quem é você?! O que está fazendo aqui?!
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- Não posso sentir nada por você.
- Eu sei que você me ama.
- Eu te amo.
- Eu me amo mais.
- Eu me odeio por te amar (chora)!
- Tenho medo de me envolver.
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- Não repare no meu aparelho! Não repare no meu aparelho!
- Nossa, o que é isso?! Ops. Disfarça... não olha, não olha!
- Merda, ele viu!

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Nostalgia

Nesse chão que já foi tão seu

Da estação colorida

Dos confetes e purpurinas

Que cobriam o céu mais azul,

O semblante sereno

Lembrava um sonho de mentira

Criado pela alegria de te ver

Se o tempo, em ventura, parasse

E com ele a melodia da canção,

Tudo ficaria claro

Como lágrima corrida,

Agora contida,

No brilho do seu olhar.


(agosto de 2008)

quinta-feira, 2 de julho de 2009

A Dama do Flamengo

O passo apressado descansa no aconchego do sol de outono enquanto o ônibus não vem.
A demora um tanto aflita é interrompida pela imagem que vinha ao longe. Não a identifica de imediato, mas logo percebe tratar-se de uma mulher esguia atravessando a rua e caminhando em sua direção.
O chapéu azul claro de lado esconde o cabelo negro e um vestido longo preto com detalhes em vermelho faz lembrar dona Maria Padilha, mas não é o caso. Uma bolsa a tiracolo e seu andar outro apontam para uma dama antiga, daquelas raras hoje em dia.
Conforme se aproxima, esboça algumas palavras - aleatórias.
É preciso pouca distância para notar o engano: as curvas delicadas do seu corpo e a pele alva como a claridade daquela manhã, desfiguram-se rapidamente em músculos e manchas.
O que antes balbuciava, agora, defronte à menina, pergunta. Nem bem ouve o som da sua voz e logo se espanta com o único dente daquela boca. As mãos grandes seguram a bolsa e debaixo das unhas pode ver sangue. Repete então, secando a menina dos pés à cabeça: “você tem uma moeda?” De cabeça baixa procura não encarar a transfigura e, com medo, só consegue balançá-la para os lados, em sinal negativo.
Tal qual seu corpo, logo o olhar se modifica e, após encará-la novamente, diz com leve alteração na voz: “você é digna de pena!” e sai andando pela orla do Flamengo.
O barulho do ônibus que encosta na calçada desperta a menina atrasada que sobe as escadas com pressa para não perder seu compromisso.

*Foto de Elisa Gaivota.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Outro Tempo *

E se o chão abrisse inteiro?
Adiantaria o tempo em mim?
Desfazer mais que perfeito
Em tom imperativo: É sim!
Mas diz pra quê tentar?

E se o início fosse o meio?
Antes nunca agora sempre aqui
Da janela vivo um tempo noutro tempo que perdi
Que esse dia não é só dia, é noite e dia, não tem fim

E traz..
A paz sem cor
Que não se quer nem cantada assim.

* música composta em 02/06/2009

domingo, 31 de maio de 2009

Cotidiano sem pressa

Sono, cansaço, olheira
Corpo pesa, desanda
Pára. Respira.
E volta
E meia
Que em cima não dá
Por baixo é certa
Moléstia

De vida

Obriga, carrega, castiga
Mais dia, menos dia
Me deixo,
Sem nome
Sobre nome
Codi nome

Me vejo,
Sem saltos
Sob as marcas dos saltos
Cotidianos com pressa

terça-feira, 26 de maio de 2009

Retratos Urbanos

. uma exposição de Elisa Gaivota .

. 01 a 12 de junho no Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos
(end. Rua Engenheiro Trindade, 229 - Campo Grande)

. 15 a 26 de junho na Fundação Unificada Campograndense - FEUC
(Estrada da Caroba, 685 - Campo Grande)

. 29 de junho a 10 de julho na Lona Cultural Elza Osborne
(estrada Rio do A, 220 - Campo Grande)

Realização: Elisa Gaivota e Ferrari Comunicações.
Contatos: (21) 9166-9215.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

JR


"28 milímetros-mulheres JR"
Casa França Brasil. Rua Visconde de Itaboraí, 78 - Centro RJ
de Terça a Domingo de 10 às 20hs
ENTRADA FRANCA - até 21 de junho

terça-feira, 12 de maio de 2009

Partida

Planejei tudo com antecedência. Tudo haveria de dar certo: separei algumas roupas quentes e outras nem tanto, um livro escolhido a dedo devido à falta de espaço, um tênis resistente, fotos, mas não muitas, um amuleto (ou dois, vai!) e o dinheiro suficiente, se é que posso chamar assim. Perto da hora de partir, sento na cama e numa tentativa de memorizar cada quina do quarto, me demoro a olhar... a lembrar. Um ruído na porta me faz levantar sobressaltada. Até o vento assusta quando se imagina fazendo algo errado. O coração acelerado e a cabeça a mil abaixam pra pegar a mochila pesada do chão. “Calma, respira!”, repito pra mim mesma por um instante. Levanto novamente, agora com mais firmeza, sigo até a porta. Atravesso o apartamento vazio como se me dirigisse à forca. Um misto de confusão, medo, culpa, cansaço me toma o pensamento. Será que faço a coisa certa? E eles, sentirão minha falta? Como vou sobreviver fora daqui? As perguntas rondavam enquanto eu pegava no bolso da calça a chave e me direcionava para a porta da sala. Coloquei-a na fechadura, dei duas voltas, quando de repente me dei conta: “Pra onde eu vou?” Não sabia responder. Meus impulsos se calaram, um vazio gigante pressionava meu peito... por um momento buscava o ar como que procurando a resposta. Girei uma, duas vezes a chave para a esquerda e dei o primeiro passo do meu último caminho.

* Foto-montagem de Christiano Parentoni.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Papel I

Pulsam em mim vontades irrefreáveis de sensações passadas, mas que ainda deixam na pele o gosto, o cheiro, o descompasso. É o corpo gritando, gemendo, contraindo os músculos cegos e irracionais, porém viscerais. O que fazer com isso? Rendo-me às questões, burlando meus desejos.. fujo num labirinto e a cada esquina me deparo novamente com minha natureza vazia. Ou busco no cerne o alvo dos mais profanos e repetitivos sonhos. Não me canso de imaginar.. e quando o tenho em mãos ou ao alcance delas, provoco reações, me apago de mim mesma e deixo o 'eu' bruto falar. Este não tem normas, não tem pais, nem olhos. Este foi encontrado na rua mais imunda da Lapa bebendo o resto de cachaça e pisando em falso. Falso sapato, falsas roupas - falsa imagem.
Embaralho os fatos que não importam neste momento... me interesso, ao contrário, pelas sensações - estas que tenho dificuldade em descrever, pois que as sinto num estado agente, provocador.
O lençol enrodilhado e sua textura outra não falam de mim como gostaria que me soubesse.
Durmo tranqüila e ainda acordo cedo depois de ferir princípios escarrados em discussões homéricas.
Volto-me à figura ausente na cena com amor e culpa. Os olhos da culpa vêm de mim mesma e deles tenho medo. A minha liberdade é paga por ele, o medo de ser genuína a falsa-imagem. E todo o passado é representação - projeto do que deveria ser meu 'eu'. O que veio antes, o ovo ou a galinha? Criatura e criador se confundem e tudo me leva a pensar que ambos representam um mesmo papel.

* Colar 2, acrílica/tela de Isabela do Lago inspirada em Jóia Laura (uma ex-prostituta, ex-amante de um rico coronel paraense )

Papel II

A Lua hoje está alta e ao abrir minha janela dei-me conta do seu movimento e da minha estagnação. Ela me olha por diversos ângulos e me espantei ao notá-la tão alta, sob minha cabeça. Será um sinal de outono ou de que logo estarei mais velha? Não, quanta pretensão! Seu movimento não vem falar à minha inércia... mas lendo-o assim, pelo menos não deito cedo e me engano até sonhar com um mundo de vôos rasantes. Escrevo e escrevo pra contar da angústia, do silêncio, da inércia... do tempo. Meu papel aqui fui eu que fiz, representei-o tão bem que todos acreditaram e aplaudiram. Eis, agora, que não o quero mais. O meu papel não me pertence mais. Portanto, não cabe a mim extingui-lo. Posso mantê-lo vivo, brilhante, intacto, mas este não seria mais o meu papel. Apenas colagens desbotadas umas sob as outras. Minha cor não apareceria mais e a textura espessa me impediria de mexer como outrora. Querer-me-iam assim? Acredito que sim! Na verdade não veriam nenhuma diferença do que era pro que será de mim. Pois lhes digo: cansei, enfim! Cansei de mim, do papel que vesti, construí. E o que me mantêm aqui é o medo do que perdi e não terei mais. Mas, e agora? Como encarar as mesmas pessoas que um dia surpresas acreditaram no que lhes disse? Menti sobre isso? Não. Mas hoje não sou mais isso. Tornei-me aquilo - aquilo que se temia.

* Guia e Lua, foto de Fabio Issao

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Jogo de Cena



um filme de Eduardo Coutinho.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Um ano depois

Toque de volver, maciez em forma de mão
Respiração pulsante, curiosa de nomes, de texturas
E o andar caminha cambaleante com a ponta dos pés
Calcanhares perdidos no escuro da sala clara
E cheia de pés, mãos
E olhos e corpos

Em silêncio movem-se os pensamentos
Não tão lentos quanto os movimentos.
Madeira fria lisa, base cercada de branco duro claro
Ao redor de muitos outros olhos atados, calados.

domingo, 12 de abril de 2009

Fuga

Dobro ruas como quem esquece
Nem viro que é pra não me ver
Saio cedo, corro - envelheço.

Envelhece o tempo que não o meu,
Retardam as horas do não vir.

Esqueço os dias, palavras, vazios
Esqueço essas linhas...
Finjo não escrever.

(em janeiro de 2008)

quinta-feira, 26 de março de 2009

...

Desprazer de querer
Deve ser como que
Desistir de você
Sem saber o porquê.

E esse “e” que ressoa
Não é rima boa
Mas mágoa que ecoa,
Escoa, escapa.

Só fica a rima,
Essa que não rima com o clima,
E desfaz sina, maldita
Em poesia fria, bonita.

terça-feira, 24 de março de 2009

O Começo

Escrevinhar sem medo de errar, ponho-me a pensar... escrevo e não paro, que distância vem e fica pra contar sobre o que não foi e poderia ter sido. Sem pensar, recomeço do instante que foi ainda pouco, antes mesmo de chegar, do momento em que lia, absorvia, sorvia as palavras abundantes – nada mais que isso mesmo – de claríssima leitura. Reproduzo aqui o sentimento intenso e incessante que me arrebatou enquanto lia e que me prende a este papel irretocável (senão inútil) e de pouco valor diante da disposição das palavras que, à medida que surgem, se fazem entender, pois elas SÃO.

*foto da máquina de escrever de C.L.
Primeiro registro do bloco de notas, inspirado na leitura de
Água Viva - Clarice Lispector.

terça-feira, 17 de março de 2009

Frida Khalo

Las dos Fridas (1939)

Sangue, tesoura, pintura, corte, amor, paixão, mulher, homem, morte. Frida me comove com sua pluralidade e gestos naturais, de uma natureza desconhecida hoje em dia, tamanho é o estranhamento criado sob nós mesmos.
Revolução impressa, sofrimento pintado e alegria vivida ao lado de sua arte. Ela nunca esteve só, visto que o pensamento ocupa espaços e a criatividade põe em xeque a solidão – não querendo substituí-la de maneira alguma, mas exaltá-la!
A força é recortada pela leveza e a morte nunca foi tão colorida. Estrangeira pele vermelha e verde com cheiro apimentado das cordas a soar no quintal florido.
Frida Khalo exprime o que há de mais profundo no sentir – o viver. Ao mesmo tempo em que explora o surrealismo com pinceladas factuais de abismos infindos. Bebe o calor de sua terra, representando na arte a beleza cruel de sua vida.
Texturas quebradiças envolvem-na como um manto de sentidos... cheiros, sabores, toques – essências de Frida.

Inspirado no filme de Julie Taymor,"Frida" (2002).