quinta-feira, 2 de julho de 2009

A Dama do Flamengo

O passo apressado descansa no aconchego do sol de outono enquanto o ônibus não vem.
A demora um tanto aflita é interrompida pela imagem que vinha ao longe. Não a identifica de imediato, mas logo percebe tratar-se de uma mulher esguia atravessando a rua e caminhando em sua direção.
O chapéu azul claro de lado esconde o cabelo negro e um vestido longo preto com detalhes em vermelho faz lembrar dona Maria Padilha, mas não é o caso. Uma bolsa a tiracolo e seu andar outro apontam para uma dama antiga, daquelas raras hoje em dia.
Conforme se aproxima, esboça algumas palavras - aleatórias.
É preciso pouca distância para notar o engano: as curvas delicadas do seu corpo e a pele alva como a claridade daquela manhã, desfiguram-se rapidamente em músculos e manchas.
O que antes balbuciava, agora, defronte à menina, pergunta. Nem bem ouve o som da sua voz e logo se espanta com o único dente daquela boca. As mãos grandes seguram a bolsa e debaixo das unhas pode ver sangue. Repete então, secando a menina dos pés à cabeça: “você tem uma moeda?” De cabeça baixa procura não encarar a transfigura e, com medo, só consegue balançá-la para os lados, em sinal negativo.
Tal qual seu corpo, logo o olhar se modifica e, após encará-la novamente, diz com leve alteração na voz: “você é digna de pena!” e sai andando pela orla do Flamengo.
O barulho do ônibus que encosta na calçada desperta a menina atrasada que sobe as escadas com pressa para não perder seu compromisso.

*Foto de Elisa Gaivota.