terça-feira, 5 de maio de 2009

Papel II

A Lua hoje está alta e ao abrir minha janela dei-me conta do seu movimento e da minha estagnação. Ela me olha por diversos ângulos e me espantei ao notá-la tão alta, sob minha cabeça. Será um sinal de outono ou de que logo estarei mais velha? Não, quanta pretensão! Seu movimento não vem falar à minha inércia... mas lendo-o assim, pelo menos não deito cedo e me engano até sonhar com um mundo de vôos rasantes. Escrevo e escrevo pra contar da angústia, do silêncio, da inércia... do tempo. Meu papel aqui fui eu que fiz, representei-o tão bem que todos acreditaram e aplaudiram. Eis, agora, que não o quero mais. O meu papel não me pertence mais. Portanto, não cabe a mim extingui-lo. Posso mantê-lo vivo, brilhante, intacto, mas este não seria mais o meu papel. Apenas colagens desbotadas umas sob as outras. Minha cor não apareceria mais e a textura espessa me impediria de mexer como outrora. Querer-me-iam assim? Acredito que sim! Na verdade não veriam nenhuma diferença do que era pro que será de mim. Pois lhes digo: cansei, enfim! Cansei de mim, do papel que vesti, construí. E o que me mantêm aqui é o medo do que perdi e não terei mais. Mas, e agora? Como encarar as mesmas pessoas que um dia surpresas acreditaram no que lhes disse? Menti sobre isso? Não. Mas hoje não sou mais isso. Tornei-me aquilo - aquilo que se temia.

* Guia e Lua, foto de Fabio Issao

6 comentários:

  1. Quisera que nós fossemos tão simples... Durante o caminho da vida, interpretamos os mais variados papéis. É o jogo da sobrevivência e do aprendizado.
    Você, eu e todo ser humano é complexo o bastante, para se perder entre esses papéis.
    Descubra-se sempre! E Surpreenda-se!!

    Bjos, Mari :)

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  2. Gabriela,

    Suas palavras são leves e luzentes. Sua sensibilidade são intempéries de vazão. Ao descrever uma cena externa, levou o melhor de mim para as estrelas e para a intransponível lua. Saudações, amiga das impressões! Saudações, amiga das benditas palavras! beijos,

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  3. oi Mari! Seu comentário me surpreendeu e fico muito feliz por isso! Os papéis se apresentam de várias formas e nem sempre somos nós que criamos.. sair ou viver bem nesse "jogo de cena" é que é a chave. Obrigada pela dica! ;) bjinhos

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  4. Lígia, nem sei o que dizer.. um comentário desses vindo de uma admiradora de Clarice.. tem grande importância pra mim. Agradeço sua visita perspicaz e espero "vê-la" por aqui mais vezes! beijos

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  5. "O meu papel não me pertence mais, portanto não cabe a mim extingui-lo"
    Se toda essa prosa coubesse síntese, eu as resumiria com essa frase. Comecei com olhos de análise, induzida por uma narrativa pontual e racional, pensei nos conceitos de papéis sociais construídos pela sociologia/antropologia e psicologia... depois meu olhar - sempre conduzido por sua narrativa - me trouxe para o desassossego deleitoso da filosofia, até desaguar no que há de mais próximo e verdadeiro em tudo isso: você, eu, nós, criadores e vítimas de nossos grilhões intelectuais e emocionais.

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  6. É por aí mesmo.. criadores e vítimas! O que me leva ao Papel I: "O que veio antes, o ovo ou a galinha? Criatura e criador se confundem e tudo me leva a pensar que ambos representam um mesmo papel". Você sempre certeira!

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