segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A Falta

“Por mais que se movimentasse, gestos cotidianos (...) dentro dele uma coisa permanecia imóvel. Como se seu corpo fosse apenas a moldura do desenho de um rosto apoiado sobre uma das mãos, olhos fixos na distância.” Caio Fernando de Abreu

E foi assim, durante semanas manteve a moldura intocável e, invisível, seguia pelas calçadas sem que notassem sua ausência...

Fechados ou abertos, os olhos projetavam a janela do apartamento. Do outro lado do vidro, mais ao fundo, as nebulosas montanhas de expectativas envolviam os telhados (inúmeros) da cidade baixa. Um muro separava o vão dos prédios num verde musgo enferrujado. Estava preso do lado de dentro do vidro, protegido do vento cortante capaz de congelar seus dedos do pé. Andava pela sala – poderia descrever cada detalhe deste ou de outro cômodo. Era pra onde ele ia desde que voltara.

Seu corpo dava sinais, embora, assim como os outros, não notasse. A boca seca falava ao vazio do estômago, acompanhado apenas de uma dor ansiosa. Se alimentava do enjôo matinal e, a esta altura, sua pele, cada vez mais alva, fervia. O vômito expurgava o nada de dentro dele. A carcaça não mais levantava da cama – imóvel sob o peso da doença.

Pela manhã emendava o sono no sonho de revê-la e assim passava os dias, as horas. Precisaria morrer para voltar a viver como outrora, quando não a conhecia.

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