segunda-feira, 4 de abril de 2011

Vida que não segue

Limpei a folha de qualquer rabisco. Seria a melhor forma de dar vazão ao emaranhado de ideias, linhas, pó, crostas encardidas por debaixo do móvel lustroso e vazio que me tornei?

Queria que me conhecesse como sou. Como fui? Clara, não mais que translúcida. Viva, demais pra uma cova. Santa, libido rubra acesa em romaria.

E lá se ia mais um dia sem que te visse desnuda. Tardia angústia me acometesse. Fosse aquela que desejava? Amasse aquilo que te movia? Perdesse a mim porque queria?

Era livre e nem mesmo sabia. Insistia nos antolhos do teu sorriso. Em gesso, o coração não mais sentia (deu pra me contrariar).

Foi preciso congelar tua vida pra saber quem realmente eras. Quem sou? Suspiro preso no peito, espelho sujo no leito, caminho torto qual vento.

Vida que não segue.

Piso a terra, risco teu céu.


* foto de Ana Khel

6 comentários:

  1. Faço grandes exigências a mim mesma, antes de comentar qualquer palavra, já que estas aventuram-se dentro do leitor. Pensei na célebre frase de Clarice: "Sempre conservei uma aspa à esquerda e à direita de mim". Da mesma forma, encontro aqui o significado correspondente a algo com o qual não se concorda plenamente. Você está ali, entre as aspas, em uma dualidade/dualismo, eu diria. Parece que existe algo que não está somente no jogo de oposição das palavras, mas, sobretudo, na sua capacidade de se permitir senti-las, na sua - por mais que se congele o coração - vontade de vivê-las.
    Ao meu ver, a vida segue, está sendo vivida no seu âmago, naquilo que deve ser chão e naquele lugar para onde se pode voar...

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  2. Gostei! Beijo, Luís. p.s.: Estou com saudades.

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  3. Vou me permitir não comentar. O texto silencia.

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  4. Fico muito feliz com a visita de vocês e ainda mais comovida depois de ler seus comentários. Dayra, sua sensibilidade me inspira a ser ainda mais ambígua.
    Luís, que bom te encontrar aqui! Comente mais :)
    Elisa, a vc tudo é permitido.. fique à vontade, sempre!

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  5. que texto mais lindo, gabi. passeei pelas tuas palavras sendo o mesmo móvel, fazendo as tuas perguntas, sentindo o frio que é as vezes a vida diante de si. passamos feito vento. deixamos nossas marcas. o universo, a nosso despeito, pulsa nos trazendo as manhãs. mesmo se ainda estamos dormindo, elas vem, elas vem.

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  6. Gostei muito querida. Saudades.
    Em mim o silêncio grita, mas qualquer dia, espero, as palavras voltarão às minhas mãos...
    Bjo grande!

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